"Música virou trilha sonora de celular", diz Lulu Santos

14/01/2013 - 05h00

THALES DE MENEZES
EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

Aos 59 anos, o cantor e compositor Lulu Santos alcança a popularidade mais intensa de sua carreira. Nem quando surgiu nos anos 1980 como grande nome do rock nacional ele deu tantos autógrafos ou fez tantos shows.

Essa atenção é fruto da exposição no programa "The Voice Brasil", na Globo. Ele foi um dos quatro jurados no show de calouros dominical que, durante três meses no ar, apresentou ao público candidatos a novos cantores.

Para aproveitar o momento, a gravadora Sony lança um box retrospectivo de sua carreira, "Toca Lulu", com quatro CDs que seguem divisão temática: gravações originais de hits, versões acústicas, registros ao vivo e músicas dançantes para pistas.

As 55 faixas atestam a força do repertório do cantor, que apresenta seu cancioneiro em shows concorridos. Nos próximos dias 25 e 26, vem a São Paulo, na casa HSBC Brasil. Restam poucos ingressos.

Na entrevista, Lulu fala sobre mercado fonográfico, mensalão, Dilma, Marta Suplicy, cinema nacional e democratização de recursos tecnológicos na internet.

Lulu tem um disco de inéditas ainda não lançado, mas antes deve registrar em CD as músicas de Roberto e Erasmo Carlos que apresentou em turnê nos últimos três anos.

Alessandro Shinoda/Folhapress
Retrato do cantor Lulu Santos
Retrato do cantor Lulu Santos

Folha - A repercussão alcançada pelo "The Voice Brasil" pode fazer a TV voltar a apresentar mais programas de música? Eles fazem parte da história da televisão no país.

Lulu Santos - Este é "o" programa de música. Não dá para julgar a história, dizer "agora as coisas são assim", que antes era mais glorioso.

Este é o mesmo programa de calouros do Ary Barroso no rádio nos anos 1930, só que com resposta imediata.

O programa acaba revitalizando o uso da televisão porque, com a história do HD, pelo menos uma parte da população pode não assistir à programação no horário que passa e gravar para ver depois. Aí não vê o anunciante.

Por isso, para o anunciante, a televisão acabou ficando questionável. Programa ao vivo que tem votação e solicita retorno do público tem que ser assistido na hora, para que se possa participar dele.

Afeta o mercado de música?

O cenário musical hoje está assim, um pouco vai-não-vai. Acho que o programa deu uma vitalidade à ideia de se gostar de música.

A canção estava virando artefato, trilha sonora de celular, coisa que toca 15 segundos, com som péssimo. Estava perdendo importância.

No "The Voice", alguns números podem ser até curtos, mas cada um é extremamente bem cuidado. Na hora em que as pessoas estão em casa assistindo, basicamente param para ouvir música.

Parece que o tempo da humanidade para parar e fazer qualquer coisa está cada vez menor. Querem ler 140 caracteres, no máximo, né?

É difícil achar qualidade no grande conteúdo da internet?

Não faço julgamento disso. Cada pessoa é um artista do Twitter, de sua própria forma. As ferramentas são outras, até a língua que se fala ali.

Com a democratização de recursos, é possível separar o que tem qualidade?

Olha, acho que tudo que está ali vale a mesma coisa. Você não luta com a eleição popular, contra o sucesso. Vai dizer que Michel Teló não é legítimo? Isso é estúpido. Dizer que o Justin Bieber é ilegítimo? Não. As pessoas que dizem isso perderam o passo de como as coisas são.

E não é algo novo. Quando a nossa geração da década de 1980 começou a aparecer, fazer barulho, o pessoal do samba deu uma reclamada, bradava que aquela música não era brasileira e tal.

Lembra-se de quando nossos pais diziam "Isso não é música"? Alguém, acho que a minha mãe, insistia comigo que os discos dos Beatles estavam em 45 rpm, que tocavam em rotação acelerada.

Seu trabalho precisa refletir o que acontece por aí? O mensalão rende música?

A arte não tem que... nada! Se a arte tiver que trazer justificativa, uma bula, está tudo errado. Mensalão? Sordidez e podridão não me inspiram.

Acompanho a novela do Supremo, claro. Mas quem mandou decorar aquele negócio daquele jeito? Já reparou na cor do tapete do Supremo? O que é aquilo?

E o drama? São divas! Fico cansado, é como se estivesse em outro século, na Inquisição. Os dramas se desenrolam arrastados, os personagens são gongóricos, o discurso é empolado, distanciado. Tudo remete às piores práticas, mas torço para dar certo.

As decisões trazem um senso de justiça que pensávamos que não iria vir mais. Quero que todos os imbróglios passem pelo mesmo caminho.

O que acha de Marta Suplicy no Ministério da Cultura?

Isso não fala comigo. Não digo a Marta, especificamente, mas tudo parece uma pantomima, uma farsa. Enquanto você não ajustar o que se passou em oito anos de governo do PT, acho que...

Acho Dilma legal, dou força, mas está atrelada a essa história recente do PT. Não é uma coisa isolada, mas são oito anos para passar a limpo. Ou a gente vai esperar fazer 30 anos para ter justiça?

Práticas dos outros partidos devem ser investigadas?

Acho que, se tem de um lado, tem que ter do outro. Ou não há justiça, não há veracidade. A verdade no nosso país tem caminhos tortuosos. É a história da minha vida. Eu fiz 11 anos em 1964. Mas será que acertar as coisas é a nossa vocação? É uma pergunta.

Como é o Lulu consumidor de produtos culturais?

Pois é. E o cinema brasileiro, é a nossa vocação? Acho sensacional esse sucesso de comédias populares. Acho que, em qualquer coisa que faça sucesso de massa, "E Aí, Comeu?", "Os Penetras" e tal, o nego está se espelhando. É a cara da nossa sociedade, e eu não julgo não.

Qualquer escolha popular reflete desejos. Você lê como é a sociedade, como é que nós somos. A cultura é o espelho da sociedade, quanto mais polir, melhor a gente se vê.

E cinema estrangeiro? Livros?

Estou achando o cinema muito chato. Não engulo o Batman das trevas e nenhum desses produtões. O último filme que achei interessante foi "Shame", do Steve McQueen. Duro de assistir, mas bom filme. O último do Tim Burton, o "Dark Shadows", é uma bosta, né? Ele fazia um cinema legal, era bom ver o Johnny Depp chanchando.

Estou lendo agora o livro do Tom Wolfe, meu amigo Tom Wolfe, "Back to Blood". Eu estou achando mais ou menos legal pra caramba.

E música? Você vai a shows, procura ouvir novos nomes?

Não de uma forma exótica, mas tenho curiosidade. No ano passado, fiz uma participação no disco da Tulipa Ruiz e foi muito bom o encontro das vozes. Sou um cantor grave e ela é uma cantora aguda, deu muito certo isso.

Esse disco novo do Alvinho Lancellotti, ele mesmo disse nas entrevistas, é um pouco resultado de eu ter pedido para escutar músicas dele.

Não ouvi direito o Criolo, me escapou um pouco. Vou procurar ouvir melhor. Quem é o Pélico? Ele gravou uma música minha, achei muito interessante a versão.

Com o mercado retraído, como vender "Toca Lulu", uma caixa com quatro CDs?

É uma promoção! São 55 faixas a R$ 74! O CD ainda não é inteiramente descartável. O espólio da indústria funciona, em termos de mercado e distribuição, para grandes magazines, lugares onde o disco ainda é produto viável.

O box foi ideia da gravadora?

A Sony propôs o negócio, depois da exposição que tive com o programa. Algo que não acontecia desde a década de 1980 e que nunca aconteceu comigo nessa intensidade. Eu nunca tinha integrado um programa de TV.

Agora dou autógrafo para crianças de 12 anos que se dizem "meus maiores fãs!". Minhas músicas são trilha sonora da vida de várias gerações ao longo desses 30 anos.

Repetir um mesmo repertório em shows não cansa?

Não é igual, isso é besteira. Pense em Shakespeare. Você tem que fazer aquilo todo dia no teatro, cinco sessões por semana. Cabe ao ator descobrir como renovar aquilo.

Então não tem essa história do cansaço do repertório. Se tiver, tente outra coisa. Como acabei de fazer agora, dois anos e meio em turnê com repertório de Roberto e Erasmo Carlos. Nesses shows vinham insistentes pedidos de "Toca Lulu". No final, tocava umas músicas minhas e a plateia explodia.

Quer fazer mais coisas na TV?

Não. Tenho meu disco de Roberto e Erasmo para gravar, tenho outro disco ainda não lançado. Eu faço 60 anos este ano, e o segundo "The Voice" deve começar em julho. Não tenho tempo. Quando acabou a primeira temporada do programa, eu me senti exultante e exaurido. Está de bom tamanho.






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