Em determinada cena de Tron, Jeff Bridges toca o chão, e dele ergue-se uma espécie de espelho, que reflete do lado oposto um ser construído à sua imagem e semelhança. Apesar de uma estética interessante, não só disso que a cena trata. Verdadeiramente, nela encontra-se o fundamento para compreender o propósito do longa "Tron – O Legado".
Por um lado, Tron é o retrato da criação de um novo mundo. Algo como o que os irmãos Watchowski fizeram em "Matrix", James Cameron em "Avatar", ou o que Christopher Nolan fez em "A Origem". Consiste em criar um conceito visual diferenciado, e estabelecer novos parâmetros que definem a organicidade desse universo. Mas é claro, sempre estabelecendo links com a realidade vigente.
De outro lado – e tento expor aqui precisamente minhas impressões -, Tron é uma metáfora perfeita à teoria do criacionismo. Uma vez que Kevin Flynn - personagem do Jeff Bridges - constrói um mundo a partir do nada e faz surgir um ser "equivalente" à ele, vejo uma clara referência ao conceito católico do surgimento do universo. Mas o interessante a observar é o seguinte: No mundo real, Kevin Flynn é humano.
Portanto Kevin Flynn representa a busca do homem por ser o criador de seu próprio mundo, e acaba sendo efetivado como o mesmo. Clu, o ser criado à sua imagem e semelhança, se rebela contra o seu criador; mas nessa versão da história ele é quem expulsa seu "mestre" da matriz, ou permita-me chamar de "paraíso". E o mais interessante, é que nessa versão de mundo os "humanos" "surgiram como chamas", como o próprio Flynn diz; O que nos permite traçar um paralelo com a teoria do evolucionismo.
Em certas passagens do longa, temos alguns sinais de como a religiosidade foi implicitamente trabalhada, como por exemplo quando Quorra (personagem de Olivia Wide) se diz "resgatada" por Jeff Bridges. Ou quando esse último anda por um clube noturno e pessoas se ajoelham aos seus pés. Ou até mesmo quando Clu olha sua imagem distorcida em uma maça – olha que interessante -, e ao ver o quão imperfeito ele é como "projeção", arremessa-a na parede.
Difícil fazer uma análise mais profunda do filme evitando spoilers, mas a questão é que Tron dá uma vasta gama de referências que nos permite compreender uma complexidade muito maior mesmo do que aquela que o longa mostra. E o maior ponto do filme é justamente se permitir ser bem maior do que sua premissa inicial lhe permitia.
E ainda que tenha essa carga robusta de enredo, Tron nos apresenta a maravilha da técnica de se fazer cinema. Com um cenário bastante peculiar, o filme desenvolve toda uma identidade estética em cima de sua proposta, abusando de uma fotografia que destaca todas as fontes luminosas em tela, e de uma direção de arte primorosa que é estabelecida em cima de um cenário futurista.
O aspecto sonoro do filme é espetacular. Os efeitos sonoros utilizam-se precisamente de todos os canais dispostos na sala de cinema, trabalhando efetivamente com nosso patamar perceptivo. Com o adendo da trilha instrumental e eletrônica primorosa da dupla Daft Punk, que traz elementos da música oitentista.
A película conta com um elenco afiado, com o Oscarizado Jeff Bridges em um papel interessante que o permite explorar camadas diferentes de interpretação, um Michael Sheen quase irreconhecível, com uma maquiagem pesada e muitos trejeitos, além de Olivia Wide, John Hurt, o protagonista – e pouco conhecido - Garrett Hedlund, e até mesmo uma pequena participação de Cillian Murphy.
Portanto, Tron consiste em uma das mais belas surpresas desse ano. Peca por não trabalhar mais intensamente alguns aspectos do roteiro, mas que tem como proposta fundamental uma experiência cinematográfica única. E é exatamente isso que ele é. Testemunho aqui finalmente um ápice técnico, uma criação de um novo universo, e uma história que promova alguma discussão. Pra mim, "Tron" é o que "Avatar" prometeu ser, mas não foi; um filme singular.
Nota: 4.5/5
or Amenar Costa | Twitter: www.twitter.com/Amenar
3 Comentários
Olá, Fê... adorei o novo visual do blog...
ResponderExcluirDeixo aqui meus votos de um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de paz, saúde e muitas realizações!!
Abraços do amigo Mings
Olá, Fê... adorei o novo visual do blog...
ResponderExcluirDeixo aqui meus votos de um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de paz, saúde e muitas realizações!!
Abraços do amigo Mings
Adorei esta critica. Especialmente a ultima afirmação!!!
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