Banda larga no Brasil é cara e ruim; entenda

Convenhamos, isso não é bem uma novidade...

Para 65,2% da população brasileira acima de dez anos, enviar um e-mail, teclar no MSN ou fazer uma pesquisa no Google são práticas tão distantes como passear de helicóptero ou dirigir uma Ferrari: 104,7 milhões de brasileiros não acessam a internet, segundo o IBGE. Isto é ruim? Na verdade, é péssimo: segundo a pesquisa Barômetro Cisco (pesquisa que mede a evolução da adoção das tecnologias de acesso à Internet em banda larga no País), existem apenas 5,8 conexões fixas de banda larga para cada 100 brasileiros. A grande maioria ainda é obrigada a navegar aos trancos e barrancos da conexão discada, aquela que às vezes pega, às vezes não pega, que ocupa a linha do telefone e obriga o usuário a navegar de olho no relógio, já que é cobrada por hora.

  “Se alguém me telefona, a net cai”, diz o operador de telemarketing Anderson Bonifácio Costa, 28 anos, um escravo da conexão discada. Para Anderson e outros moradores sem-banda de Moreno, na região metropolitana de Recife (PE), ações tão simples e essenciais como enviar uma declaração de Imposto de Renda parecem prova de resistência do Big Brother. “Nesse caso, ficamos à mercê das lan houses ou de amigos que têm banda larga”, afirma Anderson. O operador já tentou fugir da discada sem sucesso: segundo ele, a única operadora da cidade recusou-se a fornecer o serviço de banda larga, alegando que a instalação telefônica em seu bairro era muito antiga. “A banda larga não chega a muitos bairros, ou então o serviço é tão caro e de baixa qualidade que não vale a pena”, afirma um amigo de Anderson, o modelista Paulo Pinheiro, 30 anos, criador da comunidade do Orkut “Minha internet é discada!”.
Mas por que o Brasil que aparece decolando na capa da revista inglesa “Economist”, a potência em ascensão que sediará a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, ainda não conseguiu trazer a maioria dos seus habitantes para o século 21?

A banda larga ainda não pegou no Brasil porque é cara e ruim. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão ligado ao governo federal) apontou que a assinatura do serviço no país custa, em média, R$ 162 por mês, o equivalente a 31,8% do salário mínimo. Quando se compara o preço mínimo da banda larga com a renda da população, o Ipea conclui que as operadoras brasileiras cobram preços 24 vezes mais caros do que nos EUA.

Os altos impostos têm só uma parte da culpa pelos preços altos: segundo o Ipea, mesmo o serviço de “banda larga popular” de São Paulo, que é isento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços), ainda é 18 vezes mais caro do que a banda larga norte-americana. “O Brasil tem um dos serviços de acesso à banda larga mais caros do mundo porque os preços são deixados à mercê do mercado, sem nenhuma garantia ao consumidor, num cenário em que várias municípios estão sujeitos a um monopólio das companhias telefônicas”, afirma Carolina Ribeiro, coordenadora da ONG Intervozes. Apesar de cara, a banda brasileira nem é tão larga assim: 66% dos brasileiros acessam com velocidade contratada de menos de 1 Mbps (Megabit por segundo) — uma velocidade que muitas vezes fica bem abaixo disso, já que as empresas de telefonia, em seus contratos, só se obrigam a entregar 10% da banda prometida.

Ao contrário do que fizeram no mercado dos telefones celulares, em que há mais competição e menos monopólio, as teles não criaram um modelo de negócios de banda larga que atingissse os mais pobres: o resultado é que, quanto mais pobre uma região, menos banda ela tem. “As operadoras preferem se fixar num mercado menor, mais abastado e mais fácil de controlar. Por isso, algumas regiões estão condenadas a uma desconexão eterna que o mercado nunca vai resolver sozinho“, diz o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna.
Santanna é um dos responsáveis pelo Plano Nacional de Banda Larga, que o governo federal começou a projetar no ano passado com a missão de resgatar milhões de brasileiros da era das trevas digital. A elaboração do projeto reuniu na mesma mesa um terço da Esplanada dos Ministérios, incluindo Casa Civil, Planejamento, Fazenda, Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Comunicações, Ciência e Tecnologia, entre outros.

O governo estima que, se depender do ritmo atual do mercado, que evolui em ritmo de linha discada, a banda larga fixa levará quatro anos para sair dos atuais 11,03 milhões para 18,3 milhões de conexões. É muito pouco: equivaleria a uma penetração de 9,2% da banda larga, quase o mesmo que Argentina e Chile já têm hoje. Com o Plano Nacional de Banda Larga, o governo pretende oferecer 20 milhões de novas conexões. Assim, o Brasil chegaria a 2014 com cerca de 40 milhões de acessos — uma penetração de 20%.
Para isso, o governo pretende construir um “backhaul” (estrutura de rede encarregada de ligar a rede principal da internet, ou “backbone”, com os municípios) utilizando uma malha já existente de fibras óticas pertencentes a empresas estatais, como Petrobras, e à empresa de capital misto Eletronet, falida em 2003, dona de uma rede de 16 mil quilômetros de fibra ótica que o governo conquistou o direito de usar, no final do ano passado, por meio de uma decisão judicial. Em fevereiro, matéria do jornal “Folha de S.Paulo” denunciou que a decisão do governo teria beneficiado um grupo empresarial ligado ao ex-ministro José Dirceu, um escândalo que pode vir a atrasar a implantação do PNBL.

Segundo Santanna, a rede estatal, de aproximadamente 31 mil quilômetros, permitirá levar a banda larga para todos os estados, com exceção de Roraima, a uma velocidade de 512 kilobites por segundo (cerca de 0,5 megabit por segundo). O usuário final pagaria pelo serviço um valor ainda não definido pelo governo, mas que deve ficar entre R$ 15 e R$ 35. Um outro item do Plano Nacional de Banda Larga obriga toda empresa contratada pelo governo para execução de obras a instalar canalizações adicionais para a passagem de fibras óticas.

A banda larga de meio mega do projeto brasileiro parece pouco ambiciosa se comparada a que a Coreia do Sul se prepara para levar para a maioria da sua população até 2012: conexões de 1 giga (2 mil vezes mais rápidas que as do projeto brasileiro). O suficiente, por exemplo, para baixar um filme inteiro em segundos. Mas é um bom começo. Pelo menos é o que acha o governo - e alguns especialistas concordam.

Considerado um dos criadores da internet brasileira, Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação (NIC.br), do Comitê Gestor da Internet no Brasil, diz que a estabilidade é mais importante do que a velocidade da conexão. “O importante é uma conexão constante, em que o sujeito não precise ficar preocupado com o taxímetro”, afirma. Segundo Getschko, com metade da conexão oferecida pelo governo já é possível executar a maioria das principais funções da internet, como enviar e-mails, baixar arquivos e ver vídeos em baixa definição. Para Rodrigo Baggio, fundador da ONG Comitê para Democratização da Informática, presente em oito países da América Latina, mesmo bandas que não sejam das mais largas podem ser usadas com criatividade para transformar comunidades carentes. Ele cita o exemplo de uma unidade do CDI (Comitê para Democratização da Informática, ONG brasileira presente em dez países) instalado en Oaxaca, no México, onde a comunidade indígena usa uma conexão de internet para receber as informações que considera úteis e depois as repassa para a população local utilizando um Fusca velho com um alto-falante. “Uma combinação de banda larga e banda mínima”, diz.

O governo federal decidiu que o Estado é quem deve gerenciar a rede “backhaul” de banda larga, e para isso pretende entregá-la nas mãos de uma renascida Telebrás. É o ponto mais polêmico do Plano: os críticos afirmam que uma empresa estatal controlando a estrutura e o acesso à banda larga poderia ser grande demais para ter eficiência. Mas não é um caminho que o governo deva adotar. A proposta com mais força sobre a mesa de discussões prevê que o Estado não deve oferecer banda larga para o consumidor final, mas vender a “última milha” do serviço para provedores e “lan houses”, como forma de alimentar a concorrência, estimulando a redução dos preços e a melhoria da qualidade. As “lan houses”, um invenção tipicamente brasileira, já demonstraram que são eficientes na inclusão digital dos mais pobres, pois respondem por 50% dos acessos à internet no país; no Nordeste, a porcentagem chega a 70%. Para facilitar a disseminação dos serviços, o governo pretende reduzir os impostos para pequenos provedores, “lan houses” e fabricantes de modens.

Alguns representantes da sociedade civil, como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e o Intervozes, defendem que o Estado deveria ir além na regulamentação do serviço: por ser um serviço essencial, a banda larga deveria estar submetida a um regime público, como a energia elétrica e a telefonia fixa. “Num regime público, as empresas seriam obrigadas a levar a banda larga para todos os lugares do Brasil e a cobrar a mesma tarifa de todos, em vez de colocar o preço lá em cima nas regiões que dão menos retorno, como ocorre hoje”, afirma Estela Guerrini, advogada do Idec. É uma ideia que não deve constar no Plano, seja porque setores do governo consideram o sistema incompatível com o “backhaul” estatal, seja porque alguns acreditam que a adoção do regime público por si não garante a universalização do serviço, como se viu na telefonia fixa, que acabou superada pelos celulares.

Além de atender a um direito essencial da população, a universalização da banda larga é uma medida capaz de gerar impacto em tudo quanto é setor da vida de um país. Um estudo do Banco Mundial que analisou a influência da expansão da internet em 120 países concluiu que cada 10% de avanço na penetração dos serviços de banda larga gerava automaticamente um aumento de 1,3% no crescimento econômico de uma nação. Daí a importância do Plano Nacional de Banda Larga: do sucesso ou fracasso deste projeto depende o futuro do país do futuro.

Revista Galileu

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