The Cure vem pela terceira vez ao Brasil para apresentações com sucessos da carreira

Com 60 músicas ensaiadas, o inglês Robert Smith, 53, promete um show de três horas de duração para os fãs cariocas do The Cure nesta quinta-feira, e paulistanos, no sábado que vem.

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E nada de canções desconhecidas: a turnê, que rodou a Europa no ano passado é um apanhado dos 35 anos de carreira da banda britânica.

Não que ele vá tocar as seis dezenas ensaiadas, mas, em sua última apresentação, há seis meses, na Irlanda, foram 39, começando com "Plainsong", do soturno "Disintegration" (1989), e terminando com "Killing an Arab", seu primeiro compacto, de 1978.

"Posso mudar consideravelmente um set list feito há poucos dias", disse Smith, explicando que o Cure não é uma democracia, em entrevista à Folha por telefone.

Ruben Viegas
O vocalista da banda "The Cure" Robert Smith
O vocalista da banda "The Cure" Robert Smith

Folha - Você está de bom humor hoje, para essa série de entrevistas com jornais brasileiros?
Robert Smith - Sim. Fazia bastante tempo desde que eu fiz a última série de entrevistas, então eu estou um pouco fora de forma e estou tentando me divertir com isso.

Ok. Vamos começar então pelo show. Como será o show no Brasil? Você tem uma set list cheia de hits ou você deve tocar mais canções novas?
Nós acabamos de terminar os ensaios e tocamos umas 60 músicas. Há canções lá do começo até as de hoje. Incluímos, claro, as canções mais conhecidas porque imaginamos que as pessoas querem ouvi-las. Nós ensaiamos 60 músicas, mas nós poderíamos tocar 100 músicas e ainda não tocar tudo o que as pessoas gostariam de ouvir. Eu posso olhar na internet o que as pessoas gostariam de nos ouvir tocar. Eu paro de contar quando chega a 75, porque todo mundo tem uma música favorita diferente do Cure. Nós queremos tocar tudo, mas vamos ter que deixar algo de fora. Esperamos que as pessoas fiquem felizes que tocaremos quase todos os tipos de canções do Cure dos diferentes períodos. Nós não vamos tocar do "Bloodflowers" (2000), mas vamos tocar do "Wild Mood Swings" (1996), do disco "The Cure" (2004), do "4:13 Dream" (2008). Vamos tocar as mais novas e as mais antigas também. É uma boa mistura, na verdade, o melhor set list que já tivemos.

E quem decide o set list? É toda a banda junta ou só você? O Cure é uma democracia?
O Cure é uma democracia em muitos aspectos, mas o lado criativo da banda é geralmente decidido por mim. Eu não ignoro o que o outro diz. Uma set list que foi feita há alguns dias, eu posso mudá-la consideravelmente.

"Boys Don't Cry" (1979) ainda toca nos clubes de São Paulo nos dias de hoje. É uma música que nunca parou de tocar. Como você se sente sobre essa música hoje?
Uma das primeiras que escrevi, uma das canções de mais sucesso. Eu fico surpreso de seu sucesso ter durado o tempo que está durando. Eu não me sinto a mesma pessoa que era quando escrevi. Apenas posso me lembrar daquela pessoa.

No início dos anos 1980, você se tornou guitarrista da Siouxsie and the Banshees em uma turnê. Eu queria saber por que você fez isso. Foi um trabalho por dinheiro ou você tinha razões artísticas para fazer isso?
Eu nunca ganhei um centavo para tocar com a Siouxsie and the Banshees, eles nunca me pagaram (risos). Certamente eu não toquei com eles por dinheiro. Eu tinha uma amizade com a Siouxsie Sioux naquela época e eles precisaram de um guitarrista. Foram três meses. E nós fizemos o que queríamos fazer. Foi ótimo.

Você acha que ao assistir Siouxsie no palco sua persona mudou? Ela te inspirou de alguma maneira?
Em alguns aspectos sim. A primeira vez que subi no palco como guitarrista deles foi em 1979, no Reino Unido. Eu subia no palco com o Cure, que era a banda de abertura, tocava com a minha banda, ficava fora do palco por 20 minutos e voltava novamente para tocar com o Siouxsie and the Bashees. Eu assistia ao que eles faziam, eles estavam à nossa frente porque começaram antes da gente. Eles eram muito mais agressivos no palco, mais violentos. E eu não queria ser daquele jeito, não era a minha natureza. Mas eu gostava dessa diferença de performance.

Isso me ensinou muito, eu era alguns anos mais novo que eles, então foi um bom jeito de aprender. Mas talvez eles não tenham tido um impacto dramático no Cure. Provavelmente me ajudou a definir o meu objetivo do que eu me tornaria. Eles tinham uma ideia muito distinta do que queriam ser. E eu também. Mas nossas visões eram muito diferentes.

Há cerca de 10 anos, você fez alguns shows mostrando o conteúdo completo de três álbuns: "Pornography" (1982), "Disintegration" (1989) e "Bloodflowers" (2000). À época, você declarou que esses eram os três melhores álbuns da banda. Você ainda acha isso?
Bem, era 2002 e nós tocamos muitos shows. Nós fizemos o disco "Bloodflowers" e o tocamos ao redor do mundo. Nós não viemos à América do Sul, mas nós fomos em vários países e tocamos esse disco bastante. No final da turnê, eu achei que o disco era muito melhor do que o que eu achava no começo. Eu achava que as músicas eram boas e eu estava muito orgulhoso dele.

Já o "Pornography" é uma espécie de marco da nossa carreira, que começou o movimento do Cure. Foi aclamado pela crítica e pelo público e marcou o pico da nossa curva comercial. É um álbum que ficou gravado na consciência coletiva.

Então eu acho que se o "Bloodflowers" tivesse sido lançado em 1982 ou em 1989, teria o mesmo impacto. Mas, como já foi nos anos 2000, não teve o mesmo impacto cultural. Em 2001, eu vi que algumas das músicas desse álbum eram melhores que as outras. Eu escrevi as músicas do "Pornography" quando tinha 20 e poucos, tinha acabado de completar 21. No "Disintegration", eu tinha de 29 para 30 anos. No Bloodflowers, eu tinha de 39 para 40.

Eles todos foram muito pessoais para mim e eu queria conectá-los de alguma maneira em um show. Eu queria tocá-los mais e mostrar a conexão entre eles, que não é tão óbvia. Mas talvez seja o coração do Cure. Se você quiser conhecer o outro lado do Cure --não o lado pop, não os vídeos ou o lado popular que a maioria das pessoas conhece, como "Lovecats" e "Boys Don't Cry"--, se você quiser realmente entender o Cure, você tem que ouvir esses três álbuns. Eles são o coração do Cure. E eu queria que eles fossem gravados. Então nessa turnê nós fizemos o DVD e foi uma das melhores coisas que fizemos, um dos melhores recordações da banda.

Nós devemos esperar por algumas das canções desses álbuns no show do Brasil?
Tocaremos muitas músicas do "Disintegration", e uma mão cheia do "Pornography", mas não teremos nenhuma do "Bloodflowers." É o único álbum que não tocaremos nada. É muito difícil colocar as músicas do "Bloodflowers" em uma set list que tem músicas animadas, pra cima. É uma coisa muito estranha, e nós já tentamos incluir umas duas, mas elas soam muito diferente e simplesmente não funcionam. Elas são muito diferentes.

Você leu a biografia do Neil Young?
Não. Mas eu vou encontrá-lo em dois meses.

No livro, nós vemos que ele curte carros antigos e trenzinhos elétricos. Em que você investe o seu tempo e dinheiro, Robert? Você tem algum hobby como ler gibis ou colecionar carros?
Eu costumava ler histórias em quadrinhos quando era jovem. E eu sempre falei que. quando me aposentar. eu vou reler todas as minhas HQs que li quando era adolescente para ver se elas terão o mesmo efeito em mim.

Eu não sei o que faço! Eu vivo uma vida bem normal quando não estou com o Cure. Eu tenho lido muito. Eu li mais nos últimos dois anos do que li em uma década. Quando estou bem envolvido com o mundo da música eu sinto que não leio tanto quanto gostaria. Eu me dei conta de que tinha uma pilha de livros enormes esperando por mim, 70 livros que eu não havia lido. Eu fico comprando livros que me interessam e não leio.

No último ano, fui a lugares na Inglaterra que nunca havia pisado antes. É engraçado pensar nisso, que eu já fui a tantos lugares no mundo, mas que há lugares na Inglaterra que eu não fui. Tenho viajado, então, bastante dentro do país. E fora também. Por mais que nós não toquemos como antes, o Cure é uma banda ativa. Nós últimos dez anos, só não tocamos em um. Então, no final das contas, não tem tanto tempo livre assim.

Você assistiu ao filme de Paolo Sorrentino "Aqui é o meu Lugar", com Sean Penn no papel de um cantor de rock? O look dele era inspirado no seu. O que você achou?
Eu não vi o filme. Eu soube dele quando ainda estava sendo filmado. O Sean Penn não se parece muito comigo. Eu não sei, eu ainda não vi. Eu realmente não posso comentar, não tenho ideia. Obviamente a história não tem nada a ver comigo, nada do personagem tem a ver com a minha vida.

De toda maneira, o look foi inspirado em você. Você viu as fotos de Sean Penn?
Sim, eu vi as fotos. É isso o que eu estou dizendo, as feições do Sean Penn não se parecem nada com as minhas. O fato de ele usar pulseira com spikes, uma peruca e batom não faz com que ele se pareça com Robert Smith. Eu tenho as feições mais delicadas e ele tem feições muito grandes e distintas. Mas, sim, eu fico lisonjeado. Mas eu não vi o filme ainda e terei de assistir para comentar.

Quando você veio ao Brasil pela primeira vez, no meio dos anos 1980, eu estava lá e assisti ao seu show em São Paulo. Eu era um adolescente. Naquela época, nós meio que fazíamos uma conexão entre o Cure e os Smiths. Essas duas bandas eram muito similares para nós porque de alguma maneira elas simbolizavam o novo rock inglês. Mas eu nunca vi nada sobre as duas bandas trabalhando juntas, nem mesmo se eram inimigas no estilo "britpop", como o Blur e o Oasis, por exemplo. Então, eu não sei se vocês eram amigos ou o quê e se essa percepção que nós brasileiros tínhamos fazia algum sentido. Há alguma conexão entre The Cure e The Smiths?
Eu nunca pensei em nada disso naquele momento. Tínhamos mais ligação com Echo and the Bunnymen, o New Order e Siouxsie and the Banshees. Essas eram as bandas com quem tínhamos a ver. Nunca houve nenhuma conexão com os Smiths. O Morrissey ficou muito magoado algumas vezes no passado e, no final, eu revidei na imprensa, o que desencadeou uma rixa que durou por uns dois anos.

Eu simplesmente nunca me conectei com eles. E isso não é uma crítica, é apenas um fato: algumas pessoas gostam, e outras pessoas não sacam. Eu sou uma das pessoas que não sacou.

Ouvi dizer que o clipe de "Lovecats" foi feito em uma casa que estava para alugar. Vocês pegaram a chave na imobiliária para visitar e gravaram lá. Isso é verdade?
Sim. A gente não tinha dinheiro o suficiente. Nós pegamos as chaves às 16h e falamos que devolveríamos na manhã seguinte, o que de fato fizemos, às 7h15.

Uma coisa que eu acabei de ler e gostaria de saber se é verdade: quando você era adolescente, você foi à escola com um vestido de veludo preto e apanhou de quatro garotos. Isso é verdade?
Sim, é verdade. Eu fiz isso por causa de uma aposta. Um amigo falou que eu não teria coragem e eu fiz.

Era um vestido da sua mãe?
Exatamente. Era um dos vestidos de noite dela. Eu mudei de roupa no meio da rua e fui pra escola andando. Foi engraçado porque teve um efeito muito grande. Quatro garotos foram me bater, e eu não era bom de briga.

Quantos anos você tinha?
Acho que uns 12.

O que você aprendeu com isso?
Eu estava passando por um período de mudanças e começando a me encontrar como pessoa, no mundo. Eu acho que eu estava com raiva da força bruta. Eu achava que nós vivíamos em um mundo bruto, arbitrário, e estava ressentido com isso. Estava tentando provar que havia espaço para coisas diferentes. Obviamente, não funcionou. Mas eu provei que era capaz de fazer algo diferente. Na época, havia umas cinco pessoas que foram muito compreensivas e me ajudaram.

Minha mãe acabou descobrindo porque eu devolvi o vestido num estado terrível. Eu tive que explicar de alguma maneira. Então, é, acho que eu olho para trás e vejo que se alguém diz que você não faria uma coisa e eu digo que faria, você não pode voltar atrás. Eu não sei, provavelmente eu faria a mesma coisa hoje.

Robert, obrigado e espero que você tenha um bom show no Brasil.
Eu estou muito animado. Mesmo sem você ser um adolescente, você deveria ir e reencontrar o seu jovem eu novamente.






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