Caminho para Guantanamo

Esse filme eu vou assistir com certeza. Depois da notícia que o senado estadunidense aprovou o uso de métodos rígidos para interrogatórios e julgamentos de supostos terroristas e mandou pros ares a Convenção de Genebra esse tipo de doc/drama é muito bem vindo.
Tem coisas que me deixam encafifada. Porque não há uma nota sequer no Omelete sobre esse filme? Curioso, não?
Para os apressadinhos de plantão Caminho para Guantanamo já está disponível no YouTube dividido em 10 partes.
Sem legendas.
Winterbottom faz docu-drama assombroso sobre o pesadelo de Guantanamo

Esta é uma história real, de intenso terror e com o efeito de vários socos no estômago da audiência. “The Road to Guantanamo”, de Michael Winterbottom e co-direção de Mat Whitecross, refaz com imagens reais, entrevistas e reconstituições a viagem ao inferno de quatro jovens ingleses de origem paquistanesa. Diante do impacto do novo filme do versátil diretor inglês Michael Winterbottom (ele ganhou o Urso de Ouro em Berlim 2004 com “In this World/ Neste Mundo”), as sátiras e ataques ao regime Bush feitas pelo documentarista americano Michael Moore parecem agora apenas pueris.

Mas ao contrário do projeto de Michael Moore que transformou as suas tiradas irônicas num grande negócio (mais de US 120 milhões só nos EUA), Winterbottom lança polêmica no 56º Festival de Berlim, onde seu filme se destaca de novo na competição, ao anunciar que pretende fazer um lançamento mundial de “Road to Guantanamo” com projeções simultâneas em cinemas e distribuições em DVD e internet. A polêmica fica por conta da eficácia de marketing e se isso vai atrair mais espectadores aos cinemas como todos os filmes sempre querem.

Em setembro de 2001, a mãe paquistanesa de Asif Iqbal volta a Tripton, na Inglaterra, com a notícia de que arranjou uma noiva para o seu filho numa aldeia perto de Faisalabad, no Paquistão. Asif viaja poucos dias depois ao encontro da noiva prometida e, como vai precisar de testemunhas, pede a companhia dos amigos Ruhel Ahmed, Shafiq Rasul e Monir. Os quatro jovens são atraídos na viagem por mesquitas que oferecem hospedagem gratuita aos viajantes, e num deles, em Karachi, eles são convencidos por um imame a visitar o Afeganistão, numa ação humanitária, para ajudar o povo que está prestes a ser bombardeado e invadido pelas tropas aliadas aos Estados Unidos.

O roteiro da odisséia é baseado nos relatos pessoas e realmente vividos por Asif, Ruhel e Shafiq. Monir desaparece em Kandahar, onde os quatro amigos conseguem chegar, na mesma noite em que começam os ataques aos Talibans como uma retaliação aos ataques terroristas nos EUA em 11 de Setembro.

Bush e seu secretário Rumsfeld, mais Blair, aparecem falando com o cinismo característico sobre direitos humanos e a convenção de Genebra. As imagens que vemos fazem a platéia rir com escárnio. Os três depoentes anglo-paqui, depois de quase três anos de tortura e confinamento na baia cubana de Guantanamo, entram em detalhes desse cotidiano até então desconhecido. São relatos de torturas físicas e psicológicas incessantes. São relatos de assassinatos premeditados por asfixia em caminhões-baús, com total desprezo pela vida humana. São humilhações regradas e contínuas, mecânicas e com uma metodologia militar sádica com similares que a nossa imaginação só consegue associar aos tempos do exército de dominação nazista.

Ninguém virá, dos EUA ou Inglaterra, dizer que o filme é uma farsa ou blasfêmia contra os valores ocidentais ou a plataforma de defesa paranóica dos EUA contra a barbárie muçulmana. As evidências dos crimes das tropas aliadas ocidentais estão evidentes extra-denúncias de filmes como os de Winterbotton. Acabam de aparecer mais fotos, ainda mais sádicas e vergonhosas que as anteriores, de torturas de prisioneiros em Iraque. A única diferença das fotos reais das prisões no Iraque do filme “The Road to Guantanamo” é o das imagens em movimento e a reconstituição impecável desse terrível roteiro com a vertigem de um incontrolável mergulho ao inferno ao vivo.

Emoções à parte, vamos ao ponto que interessa e parece veladamente sugerido nesta obra-prima de um gênero pouco experimentado e ousado no cinema que é o docu-drama, o da mistura criativa e prática de imagens de arquivo com reconstituições do real em forma de documentário. Afinal, que merda foram fazer no Paquistão e no Afeganistão quatro jovens ingleses de primeira geração de filhos de imigrantes paquistaneses às vésperas da invasão anunciada daquela parte do mundo? Qual simpatia humanitária se pode alimentar pelos talibans que disputam o pódio mundial de desrespeito aos direitos das mulheres e aos direitos humanos em geral?

A antropologia e a sociologia têm as tristes respostas para isso: toda cultura asfixiada, reprimida, intolerável faz a sua resistência de sobrevida através do radicalismo conservador e reacionário a mudanças. Por isso os índios do Amazonas aos xiitas de Kandahar se refugiam em suas culturas de resistência. Só isso explica a necessidade de uma mãe paquistanesa ir buscar uma noiva para o seu filho inglês em uma remota aldeia do Paquistão. Mas continua não explicando como quatro jovens ingleses, com todos os trejeitos dos subúrbios da Inglaterra, têm esse inocente retrocesso às suas origens.

A biografia de Winterbottom é surpreendente pela sua polivalência. O bom é que ele é o melhor exemplo de um cinema que experimenta para se equilibrar na maturidade. Não há em “The Road to Guantanamo” qualquer chantagem sentimental, qualquer insinuação ou clichê de perversidades muito piores, como as sexuais, por exemplo, que foram cometidas, relatas mas excluídas do filme. O que está na pauta de “Road to Guantanamo” é a dignidade humana e, principalmente, as injustiças que se praticam hipócrita e cegamente em nome das liberdades democráticas. Os prisioneiros de Guantanamo permanecem com os olhos vendados por quase todo o tempo dessa travessia pelos infernos das prisões, do Afeganistão a Cuba.

E o que acontece com esses jovens anglo-paqui ao longo do processo kafkiano? Mais e mais eles mergulham nos fundamentos do Alcorão e da ortodoxia religiosa, quando não passavam de jovens e inocentes suburbanos privilegiados pela cercania de mentes multiculturais da Inglaterra. Ao término da projeção fica a nítida impressão que os olhos vendados são é das tropas aliadas que, para a felicidade das indústrias do armamento, seguem à risca as receitas da intolerância e dos ciclos viciosos de violência. Afinal, a quem interessa e quem se aproveita dos radicais?

Premiações
- Ganhou o Urso de Prata de Melhor Diretor, no Festival de Berlim.

Curiosidades
- Os atores Rizwan Ahmed e Farhad Harun e dois dos ex-detentos mostrados no filme foram parados temporariamente pela polícia britânica no aeroporto, quando retornavam da exibição de Caminho para Guantanamo no Festival de Berlim. Segundo a BBC, Ahmed declarou que foi questionado se pretendia fazer outros filmes políticos em sua carreira.

- Exibido na mostra Panorama do Cinema Mundial, no Festival do Rio 2006.

- O orçamento de Caminho para Guantanamo foi de 1,5 milhão de libras.

Fonte: http://www2.uol.com.br/mostra/29/p_jornal_399.shtml

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